Vizinhos ao terreno onde ficará o empreendimento, no bairro Pouso Alto, temem pelos impactos ambientais; eles alegam que os cursos d'água já sofreram alteração
Do alto do morro, apenas um ou outro ruído corta o silêncio e a sensação de isolamento. Às vezes é o murmúrio do filete de água correndo, alguma ave que risca o céu ecoando seu canto ou pode ser o mugido de algum gado.
Faz calor na tarde de segunda-feira, dia 6, depois de um início de dia chuvoso. Ainda resistem algumas poças d'água no chão enlameado; em outros trechos o terreno arenoso está movediço. Se não tiver cuidado, você afunda o pé.
Mas tudo concorre para a mansidão daquele cenário bucólico. O vento soprando na vegetação. A barreira de eucaliptos altos e esguios. Duas vacas apascentando sem pressa. As montanhas, as nuvens brancas, o céu azul recortando o espaço. Neste momento não há circulação de pessoas no alto do morro, ao qual se chega depois de ter enfrentado uma estrada de chão batido, íngreme, com seus altos e baixos. A calma engana. A poucos metros dali está uma rodovia estadual, a SC-370, com seu movimento costumeiro, e ainda um posto da Polícia Militar Rodoviária.
À primeira vista não parece, mas aquele lugar, onde o tempo anda sem pressa, no bairro Pouso Alto, em Gravatal, está no centro de um embate entre moradores e o poder público. Esta tranquilidade viu-se estremecida desde que chegou a notícia de que o terreno privilegiado, de onde se divisa campos verdes e a linha do horizonte de cidades vizinhas, vai dar lugar a um aparato de maquinários: a usina de asfalto da Amurel.
“Vai tirar a nossa calma. A gente só vai ficar respirando o pó disso tudo. A gente não precisa disso. Ninguém avisou nada, chegaram e foram fazendo”, reclama o pedreiro Joarez Guisoni Steinbach, 48 anos, sentado na varanda da casa de madeira, de onde se vê parte do morro onde deve ficar a usina. A implantação da estrutura, para suprir de asfalto todos os municípios associados à Amurel, é resultado de um convênio de R$ 11,2 milhões firmado entre o governo do Estado, ainda durante a gestão de Carlos Moisés, e o Consórcio Intermunicipal Multifinalitário dos Municípios da Amurel (CIM-Amurel) em dezembro de 2021.
Parte do maquinário está abrigada no início da estrada que leva à área da usina, às margens da SC-370. Lá em cima, no alto do morro, onde máquinas executaram a terraplanagem do terreno, estão instalados quatro contêineres e um britador móvel, todos já com as logomarcas do Estado e do CIM-Amurel.
O uso da área decorre de um contrato de locação entre o consórcio e o proprietário, Pedro Aranha, também contratado para os serviços de terraplanagem. O contrato de locação do imóvel foi firmado no final de agosto do ano passado, encerrando-se em 26 de agosto de 2032. No total, está estimado em R$ 290.880, dividido em R$ 2.424 mensais. De acordo com a Amurel, o local foi escolhido devido à sua localização, pois Gravatal seria o mais próximo do limite com os demais municípios da região, facilitando a logística.
Retomada da implantação depende de licenciamento ambiental
A implantação da Usina de Produção de Concreto Asfáltico está embargada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA). Em 29 de dezembro os fiscais estiveram no local e constataram a movimentação de terra para o serviço de terraplanagem. Ao IMA, Pedro Aranha, proprietário do imóvel e da empresa que faz a terrplanagem, explicou que se tratava das obras da usina. Sem Licença Ambiental de Instalação (LAI) para a implantação da atividade, os fiscais do meio ambiente acabaram lavrando o Termo de Embargo e Interdição.
Antes disso a empresa já havia sido notificada com dois autos de infração por realizar lavra de saibro sem licença e com intervenção em Área de Preservação Permanente (APP) de cursos hídricos. Como medida reparadora, o infrator apresentou ao IMA um Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD). O embargo à implantação da usina só será retirado com a emissão da Licença Ambiental de Instalação (LAI) ou Licença Ambiental Prévia (LAP).
Natural de Praia Grande, Joarez Guisoni Steinbach mora em Gravatal há cerca de 30 anos. De sua casa, em uma rua de pouco movimento, ele assiste à alteração da paisagem à sua frente para a implantação da usina. “Sou completamente contra, por causa da poluição e das águas, que vão acabar tudo”, opina. “Já tão acabando, né? Mexeram no terreno, e diminuiu muito a água. Acabou. Misturou terra, e começou a vir lama, em vez de água”, lamenta.
A água que descia do alto do morro, antes, servia principalmente ao gado e a pequenas atividades domésticas da vizinhança. “Tá todo mundo lutando para que essa usina não saia. Aqui é uma vila de pessoas idosas. Isso vai prejudicar a saúde de todos, cheiro muito forte, barulho”, reclama.
“Querem impor a instalação sem respeitar as regras”, diz advogada
No final do ano passado os moradores apresentaram uma denúncia à Ouvidoria do Ministério Público, além de já terem organizado reuniões para discutir o assunto. Dizem que vereadores foram convidados, mas não compareceram a esses encontros.
De acordo com a advogada Kenia Schlickmann, que acompanha os moradores no processo, ainda não há um inquérito civil sobre o caso, mas o MP já está apurando os fatos e solicitando documentos aos envolvidos. MP e prefeitura foram questionados, mas não responderam as perguntas.
“O processo de instalação da usina não possui a documentação necessária, uma delas a licença do próprio IMA, que só soube da instalação da usina através de denúncias e foi lá analisar. Já verificaram várias irregularidades”, cita a advogada. “Tem infinitas nascentes ali, e eles estão aterrando essas nascentes. Querem impor a instalação sem respeitar as regras e procedimentos”, critica.
A gerência do IMA em Tubarão, por meio de sua assessoria, confirmou o embargo. “Houve uma reunião com a Amurel, a qual já iniciou a elaboração dos estudos para o licenciamento ambiental. Ademais, todas as análises oriundas da administração pública serão priorizadas”, esclarece o instituto.
Os moradores contam também com o suporte técnico do consultor ambiental Wilson Alano. Ele aponta alguns tópicos em relação à obra, que a seu ver precisam ser esclarecidos pelos responsáveis: “empreendimento sobre APP; desvio de corpo hídrico sem autorização do órgão ambiental; não foi comprovada, até o momento, a possibilidade de utilização do local para a atividade-fim através da emissão da Certidão de Uso do Solo pelo município de Gravatal; cumprimento do PRAD; documentos ou projetos que autorizem o início das obras”.
“Eles não tinham documentação nenhuma, não sabiam o lugar ideal para colocar a usina, devastaram, mexeram nas nascentes, prejudicaram a água da população mais humilde sem ter licenciamento. Se a população não fosse procurar a documentação, ninguém ia apresentar?”, questiona Salete Niehues, cujos pais ainda são vizinhos ao terreno da futura usina de asfalto.
Amurel nega acusações dos moradores
Questionado na semana passada sobre as denúncias dos moradores, o diretor executivo da Amurel, Celso Heidemann, refutou as acusações. “Já foi respondido, totalmente infundadas as denúncias. Antes da escolha do terreno estas condicionantes foram levantadas junto ao IMA”, afirma Heidemann.
O assunto foi debatido na terça-feira passada, dia 28, na Assembleia Geral Ordinária do CIM-Amurel, a qual contou com a presença de prefeitos e representantes dos municípios associados.
Para os serviços de assessoria para o licenciamento ambiental, o consórcio contratou por dispensa de licitação a empresa MS Engenharia, Projetos e Consultoria, de Criciúma. O serviço está orçado em R$ 20,5 mil. O mesmo contrato com a empresa engloba também os serviços para a obtenção de Autorização para Supressão de Vegetação Nativa para a obra de pavimentação da Rodovia Ageu Medeiros, que liga Tubarão a Laguna. Este item vai custar R$ 13 mil.
Conforme divulgado na assembleia, nos próximos dias a empresa deve protocolar a documentação a fim de obter as licenças ambientais. O diretor executivo da Amurel explica, no entanto, que alguns equipamentos já começam a operar em breve. “Temos que aguardar a licença. Contudo, caminhão de pintura, motoniveladora, britador móvel e outros equipamentos devem iniciar os trabalhos nos próximos dias”, afirma Heidemann.
Ainda na terça-feira passada seriam debatidas as regras de atendimento dos equipamentos da usina aos municípios associados. Porém, devido ao horário avançado, os prefeitos decidiram marcar uma nova assembleia geral, nos próximos dias, para tratar do assunto.
Na ocasião, foram citadas as visitas a outras usinas de asfalto pelo Estado, durante as quais se constatou que se trata de atividade com baixa poluição sonora e geração de resíduo.
Ao fim do encontro, os representantes se reuniram em frente a sede da Amurel, em Tubarão, para uma foto diante de caminhões e máquinas adquiridos pelo CIM-Amurel para utilização na usina de asfalto.