Após a enchente de maio que atingiu Tubarão, 56 imóveis foram interditados. No Km 60, cerca de 15 casas às margens do rio tiveram de ser derrubadas por segurança. Agora, enquanto se mantêm com Aluguel Social, moradores vivem a espera pelos novos imóveis prometidos pelo poder público
“A vida ainda não voltou ao normal”, lamenta a professora Luciana Demétrio da Silva Maurício, de 38 anos. Professora, na vizinhança todos a conhecem como a Tia Lu. Há 14 anos, morava com a família em uma casa no Km 60, em Tubarão, às margens do rio que corta a cidade.
Até que no início de maio viu a sua vida mudar. De repente, a rotina, sua casa, os vizinhos, nada mais estava ali. A enchente que atingiu Tubarão e municípios próximos obrigou os moradores desta área do Km 60 a deixarem seus imóveis o mais rápido possível, antes que aquela situação se transformasse em uma tragédia maior.
“São coisas que acontecem que a gente não se prepara. Não tínhamos uma reserva, nem estávamos preparados para enfrentar essa situação”, comenta ela enquanto tenta reconstruir a vida. Os dias são de espera. Luciana e os vizinhos ainda aguardam as novas casas prometidas pelo poder público dias após a enchente.
Conforme o próprio município, são 56 imóveis interditados em toda a Tubarão, cerca de 15 deles só na beira-rio do Km 60, que tiveram de ser postos abaixo por segurança, e 47 famílias vivendo em imóveis alugados por meio do programa Aluguel Social, da Fundação Municipal de Desenvolvimento Social, até que a situação volte ao normal. Mas há muita burocracia, e quase nenhum prazo.
Ainda que com alguma assistência do governo, os moradores da beira-rio do Km 60 sentem-se sem rumo. “É um sentimento de abandono, sem chão. Uma vontade de chorar a todo momento”, conta Luciana.
Depois de ficar 19 dias com a família na garagem da casa do pai, na Passagem, encontrou uma casa próxima de onde morava. Pertence à avó de uma ex-aluna, que, num gesto de solidariedade, retirou o imóvel da imobiliária para o aluguel ficar mais barato.
“No início, o pessoal do Moto Clube nos ajudou a pagar o aluguel, até começarmos a receber o Aluguel Social pela prefeitura de R$ 600. Complementamos com R$ 100. A comunidade e a igreja nos ajudaram com alimento, água, roupa, produtos de limpeza. Clientes e amigos também nos ajudaram”, diz.
Luciana é casada com Ramon Santana Maurício, com quem tem duas filhas: Anna Beatriz, de 15 anos, e Lohana, de 13. Como uma delas está com problema de saúde, a professora está há cerca de dois anos sem poder lecionar, afinal precisa acompanhar a filha nas consultas em Florianópolis e nas sessões de fisioterapia e pilates.
O marido trabalha como marceneiro, mas a enchente de maio não só os deixou sem a casa própria, como ainda prejudicou o seu ofício.
O nível do rio, logo ali, ao lado, não parava de subir. Era uma ameaça próxima e real, mas Ramon precisava dar conta das encomendas. Até que não havia mais jeito, e eles precisaram deixar a casa.
Levaram o que fosse possível, documentos, roupas, alguns móveis. “No dia seguinte, tivemos que subir na caçamba de um caminhão pra conseguir chegar na nossa casa. Tinha barro até a canela. A água invadiu nossa casa, levou as madeiras. Vimos que as casas vizinhas estavam alagadas e ficamos apavorados. Até então nossa casa ainda estava de pé e daria pra recuperar”, relembra Luciana.
Nas horas seguintes, o cenário foi ficando ainda mais desolador, com quedas de árvores e da fiação. Área interditada.
“Fomos impedidos de entrar na nossa casa pelos riscos. Nosso terreno desbarrancou na parte de trás, e percebemos que iríamos perder a nossa casa e o nosso terreno. Tiramos tudo que conseguimos com a ajuda de amigos. A casa começou a estralar. Saímos em seguida. Meu marido perdeu algumas máquinas essenciais pra ele trabalhar. Foram dias sem saber o que fazer, morando em uma garagem, perdendo as nossas coisas”, relata a professora.
Não consigo me conformar que a minha casa não está mais lá
Quando Eduardo Pedro de Souza, de 42 anos, parou em frente ao portão, ficou uns cinco minutos sem saber o que fazer.
Diante de parte da casa levada pela fúria do Rio Tubarão, passou um filme diante de seus olhos: a chegada na cidade só com a mochila nas costas, ele, a mulher e o filho mais velho no colo, o trabalho duro para conquistar a casa própria. Pela manhã ele tentara retornar ao imóvel, mas não havia conseguido porque a estrada estava alagada. Só conseguiu no fim daquele dia.
“Na hora que eu cheguei e vi minha casa caída, fiquei só pensando: 20 anos foram embora em um dia”, conta. “Luta, trabalho, correria, eu e minha esposa batalhando desde novo. Batalhamos, conseguimos nosso terreno, fizemos a casinha. Compramos no Morrotes e depois mudamos para o Km 60 para criar nossos filhos. Diante daquela cena deu vontade de ir embora, largar tudo, sair dessa cidade”, afirma Eduardo, casado há 23 anos e pai de dois filhos: a caçula de 12 anos e um rapaz de 22.
Naquela enchente de maio, a parte de alvenaria da casa – cozinha, banheiro e área de serviço – foi levada com a correnteza do rio. Sobrou a construção em madeira. Eduardo e o filho ainda conseguiram resgatar alguns móveis, menos o que havia ficado na cozinha pelo risco da queda.
“Tinha uns animais, uns passarinhos, consegui soltar. Em seguida foi cortada a energia, a água, não deixaram mais a gente entrar. Minha casa de madeira tinha ficado de pé e depois foi demolida”, recorda.
Mas esta não era a primeira vez que a família havia sido vítima dos caprichos da natureza. Em outubro de 2016, estavam entre os afetados pelo vendaval que atingiu Tubarão. O vento forte arrancou telhado, derrubou muro e deixou a família no prejuízo.
Depois da enchente de maio, eles passaram a morar no bairro São Cristóvão, onde precisam desembolsar R$ 1 mil para o aluguel. Parte do valor é custeado pelo auxílio fornecido pela prefeitura.
Eduardo ainda não se conforma em ter de morar em imóvel alugado, nem com a demora em receber a nova casa. Confessa também que não entende o motivo de tanta burocracia. “Ter que sair da minha casa e não poder voltar nunca mais pra mim foi terrível. Foi e ainda está sendo. Eu passo toda semana na frente de onde era minha casa, bem em frente à escola, e só vejo um espação aberto. Ainda não consigo me conformar que a minha casa não está mais lá, que não tenho meu próprio canto”, lamenta.
Fico triste porque a maioria era gente de idade
Do outro lado da rua, Osmar Beluco da Silva e os filhos tocam uma loja de materiais de construção. Nas horas vagas, ele escreve. É autor de um livro, “Lições da Vida”, em que mistura memórias e pensamentos. Fala com orgulho e entusiasmo de sua obra.
Morador há 37 anos no Km 60, ele assistiu às transformações do bairro, assim como ainda se surpreende ao ver o atual cenário à sua frente: um descampado árido onde antes havia casas, vizinhos, sonhos.
Ali em frente a loja, às margens do rio Osmar mantinha uma casa e um depósito onde guardava máquinas e alguns materiais de seu estoque. Não existem mais.
Apenas nas fotos que exibe em seu celular. A ideia era que a casa ficasse para um dos filhos morar, mas, passada a enchente, restou apenas o prejuízo.
Como Osmar não morava na casa atingida pela cheia do rio, não teve acesso ao aluguel cedido pela prefeitura. Mas teve uma surpresa. “Fui na prefeitura para receber o dinheiro e o que recebi foi o IPTU pra pagar. Como morador, achei injusto. Perdi o terreno, a casa, e veio R$ 2.900 pra pagar”, afirma.
Ele critica a demora do poder público em resolver a situação dos moradores. “Acho desumano. Veio o dinheiro do Estado, e as pessoas estão recebendo só um valor que mal dá para pagar o aluguel. Fico triste porque a maioria era gente de idade. Estão passando dificuldade”, comenta.
Tínhamos todo o conforto, mas de repente acabou tudo
Valmor Antunes, 74 anos. Albertina Silva do Livramento, 70. Havia 11 anos o casal morava na beira-rio do Km 60, às margens da SC-390, em frente a escola Sagrado Coração de Jesus. Eram dias tranquilos aqueles.
A casa – “nossa conquista de 53 anos de casados”, frisa Albertina – tinha 12 peças, com três quartos, duas salas, banheiro, cozinha. Nos fundos, janelas envidraçadas com vista para o rio e sua paisagem bucólica.
“Tínhamos todo o conforto. Passávamos os dias sentados em frente a nossa casa, cumprimentando as pessoas. Nossa alegria era plantar nossas verduras no nosso terreno e até no canteiro central, em frente a nossa casa. As pessoas passavam por lá e levavam. E de repente acabou tudo”, conta ela.
Antes que tudo virasse poeira e se tornasse o descampado de hoje, de areia e pedra, houve a enchente. O casal já estava abrigado na casa dos filhos. Enquanto isso, a água invadia a cozinha. Depois que a água baixou, ainda conseguiram resgatar alguns pertences, mas o imóvel começou a rachar nos fundos. O local foi isolado e, depois, demolido.
Entre os moradores é como se houvesse uma sensação compartilhada de desapontamento. “A gente não se conforma. Depois de velho, perder tudo. É triste, a gente se descabela. Todo dia comentamos sobre a nossa casa”, diz Albertina. O casal também vive de aluguel com o auxílio da prefeitura. É uma situação provisória, mas eles não sabem até quando.
“Estamos esperando pelo recurso para comprar uma nova casa. Por enquanto não temos previsão de quando vamos receber”, afirma Albertina.
Sem prazos, município corre para adquirir terrenos e licitar as construções
“Foi nos prometida uma indenização por essas casas que perdemos. Participamos de reunião na prefeitura, e o prefeito nos garantiu a construção de uma nova casa. Vamos aguardar”, relata a professora Luciana Demétrio da Silva Maurício.
Ela se refere ao encontro ocorrido na prefeitura semana passada entre moradores e representantes do governo municipal.
Por meio do programa SC Mais Moradia, o governo do Estado vai repassar até R$ 70 mil por unidade habitacional para a construção do imóvel, que terá em média 50 metros quadrados.
Ao município cabe a responsabilidade de adquirir os terrenos. Mas, segundo Deka May, diretor-presidente da Fundação Municipal de Desenvolvimento Social, há uma brecha na lei estadual que permite que, havendo melhoria nas condições do terreno, a casa pode ser reconstruída no mesmo local. Caso o imóvel não tenho escritura, o município deve proceder com a regularização.
No caso dos terrenos da beira-rio do Km 60, a prefeitura planeja adquirir terrenos em loteamentos próximos à região. Como há alguma burocracia em jogo, não há prazos. “É muito delicada a relação com esses requisitos legais que a lei impõe. O prefeito Joares Ponticelli quer resolver o mais rápido possível”, afirma Deka.
Neste mês deve ser renovado por seis meses o decreto de situação de emergência no município – prazo para que a prefeitura defina a construção das casas onde é possível aproveitar o mesmo terreno, que depende de licitação, e possa adquirir os novos lotes. Nesse meio-tempo, o morador que não estiver recebendo o Aluguel Social deve procurar a assistência social da prefeitura.
Enrocamento entra em fase final
Enquanto isso, as obras de enrocamento às margens da SC-390, no bairro Km 60, estão na fase final. A recuperação do trecho destruído pela cheia é considerada a maior da história em Santa Catarina e está sendo executada pela Secretaria de Estado da Infraestrutura e Mobilidade, em parceria com a Secretaria de Infraestrutura do município.
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Obras de enrocamento devem ser finalizadas em 20 dias
De acordo com Alexandre Martins, secretário adjunto da Infraestrutura e Mobilidade do Estado, a expectativa é de que o enrocamento seja finalizado em até 20 dias.
Com o desmoronamento, foram perdidos cerca de 800 metros da rodovia e grande parte do sistema de drenagem. Com a conclusão do enrocamento, o governo do Estado iniciará a recuperação da parte superior, com possibilidade de construção de praça pública no acostamento. Ao todo R$ 6 milhões estão sendo empregados nas obras da SC-390.